Fala-se muito da dependência física causada pela nicotina,
substância psicoativa, estimulante do Sistema Nervoso Central. A dependência
psicológica é menos citada, porém atua com bastante força e de forma bem
complexa.
Requer um olhar atento para que se possa entendê-la.A grande maioria dos fumantes experimenta o cigarro na adolescência ou seja numa época de transição em que é comum sentir-se inseguro, ter medo, estar ansioso, querer pertencer a um grupo, querer imitar os amigos, sentir-se feio... Apesar do fumante, na maioria das vezes, sentir-se mal na primeira tentativa, ele insiste em “aprender” a fumar, por achar que valerá a pena, isto é, haverá um ganho com esse comportamento. Através dele, poderá integrar-se ao grupo de amigos, parecer mais velho, ter status frente aos pares... Muitos fumantes afirmam que insistiram por achar que fumar era “bonito”.
Essa expectativa muito positiva quanto ao cigarro, (criada
principalmente pela propaganda, cinema e mídia durante anos) é aceita sem
questionamentos . O cigarro parece
ser vivido, não conscientemente, como um grande ajudante para lidar com os
sentimentos desagradáveis próprios da adolescência, dando sensação de
bem-estar. Graças a suas propriedades psicoativas, o cigarro é capaz de
provocar sensação prazerosa, estimulante e ansiolítica, e desta forma aplacar o
mal-estar característico deste período, sem dar chance ao indivíduo de
enfrentar essas situações com seus próprios recursos, aprender e se desenvolver
com elas. No fumante que inicia mais tarde, o processo basicamente é o mesmo.
Em qualquer período da vida podemos passar por situações difíceis de lidar.
O cigarro passa
a fazer parte da vida do fumante e torna-se um meio de enfrentá-la. Podemos
dizer que, no fumante adolescente, sua personalidade estrutura-se com o auxílio
do cigarro. Ele entende que só pode enfrentar a vida com o cigarro ao seu lado,
não acreditando que seja capaz sem ele. De fato, o cigarro foi útil num momento
de fragilidade, porém com o tempo estabeleceu-se a dependência física e
psicológica. O fumante fica preso à armadilha. Ele sofre sem o cigarro, não se
conhece mais sem ele, não sabe mais distinguir que características são suas e
quais as provocadas pelo uso do cigarro.
É muito comum o fumante referir-se ao cigarro usando os termos
“amigo”, “companheiro”, “parceiro”... , mostrando que o cigarro participa de sua
vida como muito presente e atuante. Poderíamos dizer que são cúmplices. Muitos
fumantes quando pensam em parar de fumar sentem-se muito tristes por ter que
dizer adeus ao cigarro. Muitos choram como se estivessem perdendo um ente
querido. O cigarro acaba sendo investido de atributos humanos para aplacar sua
solidão, seus sentimentos, suas dificuldades... Muitas de suas capacidades
estão depositadas no cigarro, achando que só poderá realizar tal atividade
devido a ele. Na verdade a capacidade é da pessoa , mas por não saber que a
detém, a atribui ao cigarro. Desta forma o fumante acredita que só pode
escrever se fumar, criar se fumar, ter uma atividade mental se fumar,
relacionar-se com os outros se fumar.
Crenças negativas também podem existir em relação ao cigarro. O
fumante pode acreditar por exemplo que se parar de fumar será melhor aceito no
seu meio de trabalho, não será mais discriminado, que o cigarro é o responsável
por todos os seus males... neste caso serve de “bode expiatório” para explicar
todos os seus fracassos. Se o cigarro é o responsável, o indivíduo não precisa
se deparar com suas dificuldades!
O termo “fissura” é usado para descrever o mal-estar e a vontade
intensa de fumar. Trata-se da lembrança da sensação de prazer provocada pelo
cigarro e das associações feitas nos momentos de dificuldades. Por exemplo,
após uma situação de nervosismo ou dificuldade, o “quase ex-fumante” pensa em
acender um cigarro para se acalmar, relaxar... O fumante sabe que se acender um
cigarro irá sentir um efeito positivo e esse fato o faz procurar o cigarro
novamente. A muleta que o cigarro representa para enfrentar situações difíceis
é lembrada sempre que o fumante se depara com elas.
A dependência psicológica precisa ser tratada tanto quanto a
dependência física. Faz-se necessário um acompanhamento psicoterápico em grupo
ou individual para ajudar o fumante a tomar consciência da situação, perceber o
que o cigarro representa na sua vida e que lugar ocupa, no intuito de ajudá-lo
a perceber que o cigarro é somente um cigarro e que provavelmente é atribuído a
ele muitos aspectos seus.
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