O
atual liberalismo em torno do consumo da droga está em descompasso com as
pesquisas médicas mais recentes. As sequelas cerebrais são duradouras,
sobretudo quando o uso se dá na adolescência
A maconha, que em
outros tempos já foi chamada de “erva maldita”, agora ganhou uma aura inocente
de produto orgânico e muitos de seus usuários acendem os “baseados” como se
isso fosse parte de um ritual de comunhão com a natureza, uma militância
espiritual de sintonia com o cosmo.
Não
faz menos mal do que álcool ou cigarro
Fumar na
adolescência, então, é um hábito que pode ter consequências funestas para o
resto da vida da pessoa. Aqueles cartazes das marchas que afirmam que “maconha
faz menos mal do que álcool e cigarro” são fruto de percepções disseminadas por
usuários, e não o resultado de pesquisas científicas incontrastáveis.
Maconha não faz
menos mal do que álcool ou cigarro. Cada um desses vícios agride o organismo a
sua maneira, mas, ao contrário do que ocorre com a maconha, ninguém sai em
passeata defendendo o alcoolismo ou o tabagismo.
Diz um dos mais
respeitados estudiosos do assunto, o psiquiatra Ronaldo Laranjeira, da
Universidade Federal de São Paulo: “Encarar o uso da maconha com leniência é
uma tese equivocada, arcaica e perigosa”.
Alguns dos
argumentos para a legalização da maconha têm uma lógica perfeita apenas na
aparência. Os defensores da legalização alegam que, vendida legalmente, a
maconha também seria cultivada dentro da lei e industrializada. A oferta
aumentaria e os preços cairiam. Isso tornaria inúteis os traficantes. Eles
sumiriam do mapa, levando consigo todo o imenso colar de roubos, assassinatos e
corrupção policial que a repressão à maconha provoca.
Queda
no desempenho intelectual, na memória, na concentração
Um grupo era
composto de fumantes regulares de maconha. Os integrantes do outro grupo não
fumavam. Quando os grupos foram comparados, ficou evidente o dano à saúde dos
adolescentes usuários de maconha que mantiveram o hábito até a idade adulta. Os
fumantes tiveram uma queda significativa no desempenho intelectual.
Na média, os
consumidores crônicos de maconha ficavam 8 pontos abaixo dos não fumantes nos
testes de Q.I. Os usuários de maconha saíram-se mal também nos testes de memória,
concentração e raciocínio rápido.
Os resultados
mostram que é falaciosa a tese de que fumar maconha com frequência não
compromete a cognição. Diz o psiquiatra Laranjeira: “Se o usuário crônico acha
que está bem, a ciência mostra que ele poderia estar muito melhor sem a droga.
A maconha priva a pessoa de atingir todo o potencial de sua capacidade”.
Apenas 10% dos pacientes internados em clínicas de recuperação de
dependentes foram parar ali para tentar se livrar do vício da maconha. Ainda
assim, muitos dos usuários da droga nessas clínicas foram diagnosticados com
esquizofrenia, bipolaridade, depressão aguda ou ansiedade – sendo o vício de
maconha apenas um componente do quadro psicótico e não seu determinante.
Risco mais alto de desenvolver esquizofrenia ou depressão
Risco mais alto de desenvolver esquizofrenia ou depressão
Os suecos
demonstraram que o risco de um usuário de maconha sem antecedentes genéticos vir
a desenvolver esquizofrenia ou depressão é muito mais alto do que o da
população em geral. Entre os usuários de maconha pesquisados, surgiram 3,5 mais
casos de esquizofrenia do que na média da população.
No que se refere à
depressão, o número de casos clínicos foi o dobro. Os sinais de perigo da
fumaça estão surgindo em toda parte. “O bombardeio repetido da maconha sobre o
cérebro cria uma marca neuronal indelével”, diz Ana Cristina Fraia, psicóloga
da Clínica Maia Prime, em São Paulo, especializada no tratamento de dependência
química.
Interfere
nas sinapses, levando ao comprometimento das funções cerebrais.
A razão básica pela
qual a maconha agride com agudeza o cérebro tem raízes na evolução da espécie
humana. Nem o álcool, nem a nicotina do tabaco; nem a cocaína, a heroína ou o
crack; nenhuma outra droga encontra tantos receptores prontos para interagir
com ela no cérebro como a cannabis.
Ela imita a ação de
compostos naturalmente fabricados pelo organismo, os endocanabinoides. Essas
substâncias são imprescindíveis na comunicação entre os neurônios, as sinapses.
A maconha interfere caoticamente nas sinapses, levando ao comprometimento das
funções cerebrais.
O mais assustador,
dada a fama de inofensiva da maconha, é o fato de que, interrompido seu uso, o
dano às sinapses permanece muito mais tempo – em muitos casos para sempre,
sobretudo quando o consumo crônico começa na adolescência. Em contraste, os
efeitos diretos do álcool e da cocaína sobre o cérebro se dissipam poucos dias
depois de interrompido o consumo.
Com 224 milhões de
usuários em todo o mundo, a maconha é a droga ilícita universalmente mais
popular. E seu uso vem crescendo – em 2007, a turma do cigarro de seda tinha
metade desse tamanho. Cerca de 60% são adolescentes. Quanto mais precoce for o
consumo, maior é o risco de comprometimento cerebral.
Dos 12 aos 23 anos,
o cérebro está em pleno desenvolvimento. Em um processo conhecido como poda
neural, o organismo faz uma triagem das conexões que devem ser eliminadas e das
que devem ser mantidas para o resto da vida. A ação da maconha nessa fase de
reformulação cerebral é caótica. Sinapses que deveriam se fortalecer tornam-se
débeis. As que deveriam desaparecer ganham força.
Os efeitos
psicoativos da maconha são conhecidos desde o ano 2000 antes de Cristo. Seu
princípio psicoativo mais atuante é o tetraidrocanabinol (THC). Um outro
componente da droga, o canabidiol, é o principal responsável pelos seus efeitos
potencialmente terapêuticos.
BIPOLARIDADE DEFLAGRADA -"Comprar e consumir maconha é a coisa mais fácil do mundo. A droga é
extremamente barata e ninguém faz cara feia quando percebe que você está
fumando. As pessoas estão acostumadas".
Os níveis de
ansiedade apresentados pelos portadores do transtorno equivaleram aos
registrados pelos participantes sem a fobia. Todos os estudos sérios sobre os
potenciais usos médicos da maconha mediram os efeitos de uma única substância,
selecionada e isolada em laboratório – e não da inalação da fumaça de um
cigarro. Diz Crippa: “Os defensores do uso medicinal do cigarro da maconha
querem mesmo é obter a liberação da droga”.
Nos
EUA, venda de receitas
Nos Estados Unidos
floresce uma indústria de falsificação de receitas depois da legalização da
erva para o tratamento do glaucoma e no controle da náusea de pacientes
submetidos a quimioterapia. Para a alegria dos viciados, médicos inescrupulosos
prescrevem a droga por preços que variam de 100 a 500 dólares.
Em nenhum país a
maconha é completamente liberada. Um dos mais notoriamente tolerantes é a
Holanda, que permite o consumo da erva nos coffee shops, mas, ainda assim, os
proprietários só estão autorizados a vender 5 gramas, o equivalente a um
cigarro, para cada cliente.
Recentemente, o
governo holandês proibiu a venda da droga para estrangeiros. Nem sempre foi
assim. Na década de 70, quando a Holanda descriminalizou a maconha e se tornou
uma espécie de Disney libertária, fumava-se em praça pública. A festa acabou
cedo. Desde então, o tráfico só aumentou. A experiência holandesa – e o recuo
das autoridades – derruba um dos mais rígidos pilares da defesa pela liberação:
o de que a venda autorizada poria fim ao tráfico. Não pôs.
No Brasil, desde
2006, com a lei antidrogas aprovada pelo Congresso e sancionada pelo então
presidente Lula, foi estabelecida uma distinção na punição de traficantes e
usuários. Os bandidos estão sujeitos a até quinze anos de prisão. O consumidor
não vai para a cadeia. Nesse caso, o juiz decide por uma advertência verbal,
pela prestação de serviços comunitários ou recomenda um tratamento médico.
A lei brasileira
não contempla o volume máximo da droga a ser classificado como uso pessoal.
Do ponto de vista
social, elas estão corretíssimas. Do ponto de vista da saúde e da aplicação das
leis, nem tanto. O advogado criminalista Pedro Lazarini faz restrições: “Um
bandido pode se valer desses limites para nunca ser condenado”. O ideal seria
que as evidências científicas incontestáveis sobre os ruinosos efeitos da
maconha para a saúde sejam levadas em conta. Todos ganham com isso.
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