As pessoas portadoras de
patologias do humor, como transtornos bipolares e transtornos depressivos,
estão mais vulneráveis a outros problemas de saúde. Entre estes, é de
particular importância o uso problemático de substâncias, como álcool,
cocaína/crack, maconha e várias outras drogas, incluindo o tabaco.
Chamamos de
uso problemático, o uso que possa trazer prejuízos objetivos à pessoa, como
dependência, abuso/uso nocivo, exposição a situações de risco, como
contaminação pelo HIV, agravamento de outras doenças já existentes na pessoa e
prejuízo a tratamentos em curso, para falar dos problemas mais importantes.
Neste artigo, vamos abordar brevemente informações sobre o uso destas
substâncias e sua a relação com os transtornos do humor.
O ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS
Muitas substâncias tanto lícitas,
quanto ilícitas podem levar seus usuários a condições patológicas chamadas de
abuso/uso nocivo e dependência. Abuso é um termo técnico para diagnosticar a
condição decorrente do uso repetido e prejudicial de uma substância. Os
prejuízos devem ser detectáveis objetivamente. Apresentam-se como:
A – Exposição a situações de
perigo,
B – Dificuldade de cumprir
obrigações,
C – Problemas legais recorrentes,
D – Interferência nas relações
sociais e familiares
Importante destacar o fato de que
no abuso, ainda não se configura a compulsão para o uso, ou seja, o consumo da
substância está causando danos, mas a pessoa consegue deixar de a consumir, com
certa facilidade, se estiver determinada a isso. A expressão diagnóstica
"uso nocivo" tem sentido muito semelhante ao de abuso, exceto pelo
item D.
O conceito de dependência é
empregado para definir a situação na qual a pessoa está fazendo uso repetido e
claramente prejudicial de uma substância e não consegue ou tem extrema
dificuldade de interromper, mesmo quando se esforça para isso. No caso de haver
dependência, o uso da substância é compulsivo, e a pessoa começa a ter
modificações de comportamento, para priorizar as possibilidades de consumo, em
detrimento de outros comportamentos, que antes eram valorizados por ela. A
caracterização da dependência se faz utilizando os seguintes critérios:
A – Desejo irreprimível de obter
e consumir a substância
B – Dificuldade de controlar
início, término ou quantidades do consumo
C – Sintomas de abstinência, logo
após a interrupção do consumo
D – Necessidade do aumento de
quantidades
E – Diminuição ou interrupção das
atividades habituais
F – Incapacidade de interromper o
consumo, mesmo reconhecendo os danos
Mesmo que não estejam presentes
todos os itens acima, pelo menos três deles devem ocorrer num mesmo período de
tempo, para que possamos pensar na existência da dependência. Álcool, tabaco,
cocaína, crack, maconha, anfetaminas e muitas outras drogas podem ser ingeridas
nestes padrões. As causas para o estabelecimento de dependência se compõem de
um conjunto de fatores de ordens variadas, como vulnerabilidade biológica e
psicológica da pessoa, propriedades da droga e freqüência de uso. A dependência
implica em modificações do funcionamento cerebral e é uma condição crônica: uma
vez instalada, a pessoa não poderá mais se expor à substância da qual é
dependente, mesmo após tratamento, sob risco de voltar ao tipo de uso que
precedeu as intervenções terapêuticas. É sempre importante lembrar que quando
alguém se torna dependente de uma substância, dificilmente é possível abandonar
os comportamentos ligados ao consumo, sem tratamento adequado; não bastam força
de vontade, retidão de caráter, etc.
Algumas substâncias, como o
álcool, consumido com controle e moderação e certos medicamentos (analgésicos
opioides e benzodiazepínicos), quando usados estritamente do modo prescrito por
um médico, podem ser consumidos de modo saudável, não representado perigo,
invariavelmente. A Organização Mundial de Saúde recomenda que o máximo de
álcool ingerido por homens seja de duas doses diárias e mulheres de uma dose.
Uma dose corresponde a 1 lata de 350ml de cerveja, 1 copo de 140ml de vinho ou
40ml de destilado. Todavia, substâncias, como cocaína, crack (uma variação da
cocaína), maconha, ecstasy, heroína e muitas outras, representam sempre perigo.
O uso de anfetaminas ( muito prescritas nos programas de emagrecimento) é
arriscado e pode causar modificações profundas do comportamento, além de
dependência.
Temos ainda que mencionar a
situação em que os indivíduos consomem álcool ou outras drogas e não se tornam
dependentes, mas podem sofrer outros tipos de danos de igual ou maior
magnitude. Para dar alguns exemplos, o consumo pesado e prolongado de álcool aumenta
a chance de surgimento de câncer em vários órgãos do corpo, especialmente
aparelho digestivo, além de cirrose, hepatite e pancreatite; uso de drogas
injetáveis como cocaína e opioides, pode provocar doenças infecciosas e
inflamatórias, locais ou disseminadas, e está muito associado ao contágio pelo
HIV e hepatites, em função do compartilhamento de seringas; a intoxicação aguda
por cocaína pode provocar infarto agudo do miocárdio e acidentes vasculares
cerebrais; a maconha, após uso prolongado pode levar à "síndrome
amotivacional", em que a pessoa tem muita dificuldade de executar tarefas
e até fazer planos, tornando-se "apática".
Portanto, vale a pena ter em
mente que álcool e demais drogas, lícitas ou ilícitas, são potencial risco para
a boa saúde das pessoas.
A RELAÇÃO DO USO DE SUBSTÂNCIAS
COM OS TRANSTORNOS DO HUMOR
Estudos epidemiológicos mostram
que os diagnósticos de abuso ou dependência de álcool e outras drogas durante a
vida, são muito mais freqüentes em pessoas com transtornos do humor do que na
população geral. Por exemplo, um estudo feito nos Estados Unidos mostrou que
abuso e dependência de substâncias estão presentes em 61% de pessoas com
transtorno bipolar do tipo I, 48% de pessoas com transtorno bipolar do tipo II
e 27% em pessoas com transtorno de depressão maior; e na população geral a taxa
é de 17% (Kessler, 2004).
Os dados acima são especialmente
preocupantes por ser sabido que o uso de álcool e outras drogas, em pessoas que
tenham transtorno bipolar ou depressão, tendem a acarretar sérias conseqüências
para a evolução da doença, sucesso do tratamento e manutenção do equilíbrio na
vida. As dificuldades se iniciam com confusões diagnósticas, que acontecem
quando há esta comorbidade. Além disso, nas pessoas que ingerem álcool em
excesso ou drogas, os sintomas depressivos e maníacos tornam-se mais graves e
menos responsivos ao tratamento com medicamentos, especialmente ao lítio,
importante estabilizador de humor. Vários estudos têm demonstrado que quando
pessoas com transtornos do humor passam a fazer abuso ou tornam-se dependentes
de álcool e/ou drogas, elas não seguem corretamente as prescrições dos médicos,
e faltam mais, ou abandonam consultas e sessões de psicoterapia, o que
geralmente leva a fracasso do tratamento. Os comportamentos agressivos
dirigidos a si mesmo ou a terceiros, são mais comuns, tendo sido já relatado
aumento significativo das tentativas de suicídio, principalmente no caso de
coexistência de dependência de álcool. Também as internações hospitalares
passam a ser mais freqüentes.
É comum acontecer de uma pessoa
que esteja sofrendo com sintomas de um funcionamento mental alterado, procurar
no álcool ou outras substâncias de abuso, alívio para seu desconforto. Isto é
verificado em diversos tipos de transtornos mentais, incluindo as depressões e
transtornos bipolares. Medidas desse tipo são sempre prejudiciais, pois
facilitam a negação da existência de problemas de saúde que devem ser encarados
como tal e devidamente tratados, além de incorrer em vários dos problemas
citados acima.
COMO AJUDAR PESSOAS COM
TRANSTORNOS DO HUMOR E COM USO PROBLEMÁTICO DE SUBSTÂNCIAS
O primeiro aspecto a ser
considerado é a negação do problema. Uso, abuso e dependência devem ser
reconhecidos e enfrentados, antes de tudo, pelos indivíduos acometidos. Isto
pode ser difícil devido a motivos diversos como desinformação, medo de não
poder superar as dificuldades e de desvalorização por parte de outras pessoas e
de si mesmo. Por isso, é fundamental o abandono de atitudes preconceituosas.
Isto vale tanto para o usuário, como para os familiares, amigos e profissionais
de saúde. Ter problemas com álcool e drogas não significa fraqueza de caráter
ou falta de "boa vontade" e respeito para com as pessoas próximas.
São condições, geralmente patológicas. E mais ainda, são tratáveis.
É fundamental que um psiquiatra
seja consultado e todas as informações devem ser fornecidas, do modo mais
franco e aberto possível. Mesmo que uma pessoa acredite que o uso que faz de
uma substância não seja prejudicial a sua saúde, isto deve ser discutido e
esclarecido junto ao médico. Quando há comorbidade entre transtorno do humor e
transtorno de uso de substâncias, o tratamento para ambos deve ocorrer ao mesmo
tempo.
Vários medicamentos são de grande
utilidade, tanto para o tratamento das depressões e dos quadros de mania,
hipomania ou mistos. Assim também é no que diz respeito ao cuidado contínuo que
visa evitar ou minimizar o surgimento de novos episódios da doença. Do mesmo
modo, para os transtornos decorrentes de uso de álcool e outras drogas, os
remédios podem ter papel muito importante no conjunto das ações terapêuticas.
Além do tratamento farmacológico, diversas modalidades de intervenções
psicossociais, como as psicoterapias e ações de reintegração social, podem ser
preciosas. Medicamentos devem ser sempre prescritos por médicos com experiência
nessas áreas e as intervenções psicossociais por pessoas com formações
específicas, como psicólogos e assistentes sociais (embora existam médicos
psiquiatras que têm formação adicional em psicoterapia e estejam capacitados
para participar também nesta parte do tratamento).
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