Muita gente imagina que os
comportamentos compulsivos estão apenas associados a drogas como álcool,
maconha, cocaína e nicotina, por exemplo. De fato, dependentes de droga
manifestam esse tipo de comportamento, mas a compulsão não está relacionada
exclusivamente com o uso de substâncias químicas.
Pode estar ligada a outras
situações que provocam prazer, como fazer compras ou passar horas em frente do
computador. Quem não conhece pessoas que compram compulsivamente, estouram o
limite do cartão de crédito, do cheque especial e a conta no banco de uma forma
deletéria para si mesmas. Quem não tem notícia de gente que permanece horas em
frente do computador e se esquece de comer, de falar com os amigos, de prestar
atenção nos filhos. Esses comportamentos, tanto quanto os relacionados com o
uso de drogas, interferem com o mecanismo de prazer e podem adquirir
características patológicas, de certa forma incontroláveis.
LEIA ABAIXO ENTREVISTA CONCEDIDA POR André
Malbergier ( médico, professor do Departamento de Psiquiatria na Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo e coordenador do GREA, Grupo
Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas) ao Dr Dráuzio Varella:
CARACTERÍSTICAS DO COMPORTAMENTO COMPULSIVO
Drauzio - Quais são as características
básicas do comportamento compulsivo?
André Malbergier -
O comportamento compulsivo se caracteriza por uma pressão interna que, em
determinadas situações, faz com que a pessoa se sinta impelida, tomada por
desejo muito forte de realizar uma ação que gera prazer principalmente nos
estágios iniciais, mas que depois provoca sentimento de culpa e mal-estar.
Drauzio - Vamos pegar o exemplo
das compras. Como se distingue um comportamento patológico do comportamento
normal da pessoa que vai às compras?
André Malbergier -
Com base em estudos americanos, o comprar compulsivo só passou a ser tratado
como doença recentemente. Considera-se que uma pessoa é compradora compulsiva
quando, em determinado momento, começa a contabilizar prejuízos financeiros,
pessoais e de relacionamento provocados pelo descontrole nas compras. Embora as
pesquisas mostrem que quase todo o mundo, de vez em quando, compra por impulso,
porque comprar por impulso faz parte da natureza humana, o comprador compulsivo
não cede a essa pressão eventualmente. Cede sempre, em especial se estiver
dominado por sentimentos negativos, entristecido, com baixa autoestima e
dificuldade de relacionamento. Em geral, são mulheres que vão ao shopping
e começam a comprar sem controle. Às vezes, saem de casa pensando em
adquirir determinado produto, mas entram nas lojas e não resistem ao apelo de
comprar outras coisas. O interessante é que não compram só para si. Se a
abordagem do vendedor for eficiente, sairão da loja carregadas de presentes e,
quando alguém reclama que estão gastando muito dinheiro, argumentam “Não seja
ingrato. Você se esquece de quantos presentes lhe comprei”.
Na verdade, os shoppings favorecem esse tipo de comportamento
pelo número e diversidade de lojas que oferecem agrupadas num mesmo espaço.
Além disso, contar com cartões de crédito e poder parcelar os pagamentos
funcionam como atração e incentivo para novas compras.
COMPULSÃO NOS DOIS SEXOS
Drauzio - Esse tipo de compulsão é
mais frequente nas mulheres?
André Malbergier -
Observa-se que de 90% a 95% dos compradores compulsivos são mulheres. Alguns
estudos mostram que elas têm a chamada dependência de shopping center,
caracterizada por problemas com compras, com comida e cleptomania, uma vez que
também fazem pequenos furtos. Os comportamentos compulsivos dos homens estão
mais ligados à adição de álcool, de drogas e ao sexo. Essa diferença provavelmente
pode ser atribuída a aspectos culturais, pois biologicamente não teríamos como
explicá-la, já que toda a ação ou fisiopatologia da doença está associada ao
circuito da recompensa que, em teoria, é igual nos dois sexos.
Por outro lado, vários países que estudam o comportamento dos
adolescentes no que se refere ao uso de drogas lícitas ou ilícitas verificaram
que, nesse campo, o comportamento de homens e mulheres está ficando muito
parecido, o que pode reforçar a hipótese de tratar-se de uma questão mais cultural
do que propriamente biológica.
CIRCUITO CEREBRAL DE RECOMPENSA
Drauzio - Você está chateado,
entra num shopping, compra uma camisa e uma gravata bonita e fica um pouco mais
feliz. Como funciona o mecanismo de recompensa nesses momentos?
André Malbergier – Já está demonstrado que existe no nosso
cérebro um circuito de recompensa, na verdade uma estrutura bastante rudimentar
que, de alguma forma, está presente também nos outros animais, por exemplo, nos
ratos, e que vai mediar nossa relação com situações de prazer, como fazer sexo,
ir às compras, comer uma comida gostosa ou encontrar uma pessoa querida que não
víamos há muito tempo. Sabe-se também que, dependendo do grau de prazer que
determinada situação gerou, esse circuito é estimulado em diferentes níveis.
Certos comportamentos e algumas substâncias conseguem fazê-lo de uma maneira
que dificilmente seria possível ocorrer na vida cotidiana. É muito difícil
dimensionar o grau de prazer experimentado pelos dependentes se o compararmos
com o de uma pessoa comum. Talvez seja isso que, depois de algum tempo, os faça
declarar que nada mais lhes traz prazer além do sexo, da cocaína ou das
compras, por exemplo. Existe uma alteração no cérebro ligada à liberação de um
neurotransmissor chamado dopamina, que é responsável pela sensação de prazer.
Ele faz com que a pessoa, por susceptibilidade biológica ou sociocultural, ao
entrar em contato com determinado comportamento ou substância, associe tal
estímulo ao prazer e bem-estar que está sentindo e que foi provocado pela maior
liberação desse neurotransmissor. No entanto, quando se repete muito tal
comportamento ou o uso da droga, a ação da dopamina se esgota, se esvazia
rapidamente, a pessoa se sente mal e precisa repetir com mais frequência o
estímulo externo para manter
minimamente os níveis de dopamina no sistema cerebral de recompensa.
minimamente os níveis de dopamina no sistema cerebral de recompensa.
Drauzio - Quer dizer que os
compradores compulsivos estabelecem uma ligação patológica entre determinado
comportamento e os níveis de dopamina. Provocam o estímulo, porque só ele
consegue fazer com que sintam felizes naquela hora, pelo menos. Com a cocaína,
acontece a mesma coisa. Quando cessa sua ação, o usuário fica derrubado e
repete a dose, mesmo sabendo que aquele comportamento é deletério. A pessoa que
vai fazer compras sabe que depois vai sentir-se mal?
André Malbergier -
Sabe, sim. O interessante é que só recentemente se conseguiu demonstrar que não
são apenas as substâncias químicas que atuam nos circuitos cerebrais da
recompensa. Compras, jogos patológicos, sexo, comida ou mesmo o uso exagerado
do computador representam comportamentos capazes de agir sobre eles. No caso do
comprador compulsivo, o fenômeno é muito parecido com o provocado pelas drogas.
A pessoa se ilude com a sensação de que vai ao shopping não para comprar, mas
para ver vitrines, ir ao cinema ou levar o filho. Como o usuário de cocaína que
acha que pode ir a uma festa, mas jura que não vai usar drogas ou vai usar só
um pouquinho, ela fica brigando consigo mesma – “Vou conseguir frequentar o
shopping sem me endividar” -, mas não resiste sequer ao primeiro apelo.
Os comportamentos compulsivos são estimulados pela facilidade de
acesso à substância, no caso, o acesso às compras. Do mesmo jeito que numa
festa a simples visão da cocaína pode liberar desejo incontrolável ou fissura,
exposta a uma situação de compra, a pessoa tem as mesmas reações.
FATORES DE RISCO
Drauzio - Existem pessoas que
correm maior risco de desenvolver comportamento compulsivo em relação às
compras? Há um tipo de personalidade ou de educação mais comum nelas. Por
exemplo, pais que compram mais presentes para os filhos podem estar
incentivando esse tipo de comportamento?
André Malbergier -
Teoricamente, quem corre maior risco são as mulheres de classe média ou média
alta, faixa socioeconômica com maior disponibilidade de dinheiro para gastar.
Pagas as contas do dia a dia, sobra-lhes sempre uma quantia para ser usada em
recreação, lazer, compras, etc. Discute-se se boa parte dessas mulheres são
filhas de pais que trabalhavam muito e ficavam ausentes por longos períodos,
deixando em suas mãos, quando meninas, dinheiro disponível precocemente. Assim,
aos 16 ou 17 anos, idade em que começaram a sair sozinhas, criaram hábitos,
entre eles o de compras, que incluem gastos excessivos.
COMORBIDADES
Drauzio - Compradores compulsivos podem
apresentar o que em medicina se chama de comorbidade, ou seja, a associação com
outras patologias psiquiátricas? Por exemplo, existem pessoas deprimidas que
são dependentes de álcool. Quando se vai analisar o caso, descobre-se que o
alcoolismo surgiu como tentativa para fugir da depressão.
André Malbergier - Na
área da dependência e compulsão são comuns os casos de comorbidade. Estudos
mostram que de 60% a 70% das mulheres com compulsão por compras apresentam
sintomas depressivos e número um pouco menor, depressão clínica propriamente
dita. Outra doença frequentemente associada aos compradores compulsivos é a
distimia, uma depressão crônica mais leve do que a depressão clínica. É
evidente que pessoas com sintomas depressivos, às vezes por anos, quando
descobrem que o fato de irem às lojas para fazer compras melhora seu ânimo,
desenvolvem compulsão nem tanto pelo prazer de possuir um objeto em si, mas
porque são paparicadas pelo vendedor dentro de uma loja bonita e num ambiente
agradável. O bem-estar que sentem nesses momentos é descrito quase como um
orgasmo. Interessante é que muitas, mal saem da loja, começam a cair na real e
veem que deram mais um cheque ou assumiram mais uma dívida no cartão de crédito
e não levam os objetos que adquiriram para casa ou, se levam, escondem-no do
marido (a maioria é casada) ou não desfazem os pacotes.
Drauzio - Em que faixa etária é
mais comum esse tipo de problema?
André Malbergier -
Em geral, na faixa dos 39, 40 anos, quando os maridos atingiram certa
estabilidade financeira. As feministas não gostam dessa interpretação. Dizem
que hoje em dia as mulheres trabalham e ganham dinheiro para arcar com as
despesas e os pagamentos de suas compras.
COMPUTADORES E INTERNET
Drauzio - Vamos falar sobre a
compulsão por computadores e internet. O que fazer com as crianças que ficam
enlouquecidas diante do computador por horas?
André Malbergier -
Essa é uma área que vem chamando muito a atenção e acredito que chegou a hora
de discutir o assunto aqui no Brasil. Só agora se está tentando estabelecer uma
legislação que oriente o funcionamento das lan houses, casas
que crianças, adolescentes e adultos podem frequentar e onde jogam em rede, em
geral, jogos de estratégia, de guerra. Em 2002, havia 500 casas dessas no
Brasil. Em 2003, esse número gira em torno de três mil, ou seja, estão abrindo lan
houses em cada
esquina, sem regra nenhuma que norteie seu funcionamento, não importa se em
frente de escolas, faculdades ou próximas a lugares frequentados por crianças.
Existem até certos empreendimentos imobiliários que se valem da instalação
desses equipamentos no condomínio como propaganda de venda e escolas que se
gabam de oferecer um computador por criança.
Na verdade, o estímulo para que as pessoas usem o computador é
imenso e aí entra a questão da comorbidade. Ou seja, pessoas com alguma
dificuldade de relacionamento social, fóbicas, tímidas demais ou com quadros
depressivos, em contato com o computador, acabam abusando de seu uso o que
acarreta prejuízos em sua vida social, financeira e até profissional. Muitas
perdem o emprego, porque se aproveitam de que o trabalho requer o uso do
computador para despender tempo com jogos, e-mails, internet ou até mesmo
visitando sites de pornografia.
De certa forma, o computador é uma experiência nova na vida de
muitas pessoas. Para estabelecer alguns limites quanto ao uso desse
equipamento, os pais precisam entender como ele funciona. Há uma charge que
mostra bem a situação atual. Nela, o pai diz ao filho: “Me mostra como isso
funciona, para eu dizer o que o que você pode fazer”. Não são poucos os adultos
que ainda estão engatinhando no manuseio do computador, enquanto as crianças
cada vez mais precocemente aprendem a manejá-lo.
Drauzio - Isso não é bom?
André Malbergier - É
bom, desde que haja um filtro, porque não se conhecem ainda as consequências
dessa abertura total, nem se sabe em que idade o contato com o computador
deveria acontecer. Será que uma criança de três anos, que aprende a brincar com
joguinhos, às vezes educativos, e passa a tarde toda no computador, porque os
pais estão trabalhando e a empregada entretida com seus afazeres, não se
tornará um usuário compulsivo? Hoje, o computador substituiu a televisão no
papel de babá eletrônica. Só que a televisão não é interativa. Num determinado
momento, o espectador se cansa e vai embora. O computador, ao contrário, é
interativo e prende muito mais a atenção.
ORIENTAÇÃO AOS PAIS
Drauzio - Que orientação você dá aos pais nesse sentido?
Drauzio - Que orientação você dá aos pais nesse sentido?
André Malbergier -
Acho que os pais devem estabelecer um tempo para os filhos ficarem diante do
computador. Dependendo da idade pode ser de uma hora, mas nunca deve
ultrapassar três horas. E não é só por causa do risco de adição. Problemas de
postura e obesidade já têm sido associados ao uso excessivo do computador. É
triste dizer, mas três mortes de adolescentes na Coreia foram atribuídas a esse
uso. Os jovens tinham permanecido na lan house durante 48 horas sem comer e sem
dormir e só se afastavam do computador para ir ao banheiro. Provavelmente, eles
já apresentavam alguma patologia de base que os deixava mais vulneráveis, mas o
fato é que faleceram de exaustão. Em algumas dessas lan
houses, existem as sessões coruja e a oferta de um pacote
promocional para o usuário passar a noite toda no computador, gastando muito
pouco e não são muitas as que proíbem a entrada de menores. Felizmente, no
final de 2003, foi aprovada pela Câmara Municipal uma lei que obriga a
apresentação de uma carta dos pais autorizando o filho a passar a noite nesses
estabelecimentos.
Drauzio - A compulsão pelo computador não é exclusividade da infância. Muitos adultos também apresentam essa característica?
Drauzio - A compulsão pelo computador não é exclusividade da infância. Muitos adultos também apresentam essa característica?
André Malbergier - Em
geral, as pessoas começam a queixar-se de que estão usando o computador de
forma nociva já adultas. Se imaginarmos que a internet apareceu no início da
década de 1990, pode-se dizer que elas não eram muito crianças quando se
interessaram por ele. No entanto, quem nasceu depois dessa data, já nasceu na
era da internet. Consequentemente, a tendência é o número de casos de
dependência aumentar, especialmente porque nas famílias mais ricas cada criança
tem à disposição um computador no quarto e, em vez de brincar com os amigos,
fica trancada em casa batendo papo pela internet. A propósito, nos Estados
Unidos, foi realizado um estudo muito interessante. Os pesquisadores
acompanharam por seis meses pessoas que fizeram a matrícula num provedor. A
conclusão foi que quanto mais horas ficavam plugadas na internet, mais sintomas
de depressão ou mais dificuldade de estabelecer relacionamentos, que eles
chamam de sérios, apresentavam. Portanto, já existem evidências de que ficar
muito tempo na internet pode gerar problemas na esfera social do comportamento.
TRATAMENTO
Drauzio - Vamos falar um pouco sobre o tratamento para compulsões. Existe tratamento para uma pessoa compulsiva que faça compras ou que fique no computador 12, 14 horas por dia?
Drauzio - Vamos falar um pouco sobre o tratamento para compulsões. Existe tratamento para uma pessoa compulsiva que faça compras ou que fique no computador 12, 14 horas por dia?
André Malbergier -
No que se refere às compras, há estudos sobre o assunto e uma experiência clínica
maior. Em primeiro lugar, lida-se com a questão comportamental, restringido as
oportunidades de acesso às compras como se faz com as drogas. Como medida
inicial, procura-se reduzir e, às vezes, suspende-se totalmente o montante de
dinheiro que chega às mãos dessas pessoas. Tenho uma paciente que, por causa
disso, me chama de Collor e a sua mãe de Zélia, pois impedimos que tenha
dinheiro à disposição, caso contrário, perderia o controle e sairia fazendo
compras por aí. O objetivo dessa proposta de tratamento é fazer com que a
pessoa aprenda a viver com o que ganha e a respeitar um orçamento. Pedimos que,
nesse período, tente afastar-se dos shoppings e deixe de usar cartões de
crédito e talões de cheque. Quanto mais pagar as compras com papel moeda, melhor.
Se quiser comprar um sapato, por exemplo, pelo qual se dispõe a pagar R$ 50,00,
sairá de casa levando essa quantia e talvez um pouquinho mais para tomar um
lanche. O problema é que, em geral, as pessoas se sentem de certa forma
humilhadas porque possuem médio ou alto poder aquisitivo, não lhes falta
dinheiro, mas são tratadas como crianças. Existem alguns estudos com
medicamentos antidepressivos para controle da compulsão por compras, mas sempre
fica a dúvida sobre sua verdadeira eficácia. Uma das drogas é o Citalopran, um
antidepressivo que vem sendo submetido a testes, inclusive comparando seu
efeito com o do placebo, e que parece diminuir a compulsão pelas compras. Isso
sugere que se pode associar medicação e terapia comportamental. Nos casos de
uso abusivo do computador, não existem estudos – pelo menos que eu conheça –
sobre a ação dos antidepressivos. Por isso, o tratamento é basicamente
comportamental a fim de tentar impedir o acesso fácil e ilimitado do usuário.
Drauzio - Muitas mulheres se queixam que
os companheiros passam horas e horas no computador e que isso acaba
interferindo no relacionamento afetivo.
André Malbergier -
É em casa que o usuário compulsivo de computador enfrenta a primeira
dificuldade, pois vai deixando de atender o chamado para o jantar, não respeita
a hora de dormir ou de cumprir as tarefas domésticas, não conversa com a esposa
nem dá atenção aos filhos. É sempre interessante avaliar como o computador está
inserido nas atividades do dia a dia e medir as horas não essenciais dedicadas
a seu uso, desprezando o tempo dedicado ao trabalho, ao estudo ou em busca de
informações. Nos casos de usuários compulsivos, verifica-se que esse tempo gira
em torno de 27 a 30 horas semanais, ou seja, de três a quatro horas por dia.
Ora, se pensarmos que a pessoa chega em casa às sete, oito horas da noite, de
fato não lhe sobra muito tempo para a vida em família.
Drauzio - Com as crianças talvez
seja mais fácil controlar esse uso. O pai estabelece horários, desliga o
computador ou proíbe seu uso indiscriminado. Como se faz esse controle com os
adultos?
André Malbergier - Aí
está o problema. Uma senha, por exemplo, pode resolver o problema com a
criança. Com o adulto é preciso conversar. Já recebi o filho de um senhor
aposentado, com mais ou menos 70 anos, que aprendeu a mexer no computador e
estava se descuidando da saúde por causa disso. O computador tem um aspecto
muito atraente. Atrás dele a pessoa pode ser quem quiser. O homem mais velho,
por exemplo, pode conversar com garotas, dizendo ter 25 anos e uma aparência
muito diferente da que realmente tem. Há até quem mande pela Internet fotos de
outras pessoas como se fossem suas alimentando essas fantasias.
Drauzio - De fato, o computador pode
estar ligado a uma infinidade de comportamentos que proporcionam prazer.
André Malbergier – É
verdade. Muitas pessoas questionam se o problema é o computador ou se o acesso
que dá à pornografia, por exemplo, só interessa às pessoas que já têm
distúrbios sexuais. No que se refere aos jogos, qualquer um pode entrar em
sites de cassinos e jogar livremente. Basta declarar que tem 18 anos, pois
ninguém vai conferir a informação. E não são só casos como esses. Há uma
infinidade de comportamentos compulsivos associados ao uso do computador. Tive
uma paciente que quase não conseguia levantar-se da cadeira, na expectativa de
que pudesse chegar um novo e-mail para ela. Outro aspecto importante para a
adesão ao computador é a velocidade com que se processam as informações. Eu
tinha um modelo 486. Ligava e podia ir ao banheiro sossegado, porque ele
demorava muito para abrir. Hoje, os equipamentos permitem que se abra uma
página atrás da outra rapidamente, o que provoca sensação de euforia, bem-estar
e libera adrenalina.
Drauzio - Quanto mais veloz o
computador, mais rápido o estímulo que dá prazer?
André Malbergier - É,
sim, a tal ponto que pessoas ansiosas ou inquietas, às vezes, não aguentam
esperar se o computador estiver lento. De certa forma, o mundo moderno empurra
as pessoas para os comportamentos compulsivos. Não é só o computador mais
veloz. É o cartão de crédito, são os cheques pré-datados, a propaganda e as
cores das lojas, tudo estimula o desenvolvimento da compulsão.
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